Poesia Liberta


Sinto que a poesia me deixa,
Com muito pesar a vejo partindo.
Minha alma em silêncio se queixa
E impotente me mantenho assistindo.

Num réquiem mordaz que me desalenta,
Ouço uma melodia que em mim arde:
Uma canção que minha dor aumenta,
Que me envenena sem qualquer alarde.

Lamento e sinto a rigidez que fica,
Pois resta rígida a paixão ausente.
Bate-me um frio que se intensifica,
Que gera a dor que meu coração sente.

A arte é um ópio que arrebata,
Que embriaga o nosso sentimento,
Mas vislumbrar sua partida ingrata
Só faz crescer em mim o vil tormento.

Sofrendo imploro essa presença ardente,
Caço a arte a tatear no escuro.
Suspiro louco um choro indecente,
Mas escorre um verso assaz obscuro.

Descuido então a métrica infalível
E com insistência ela me persegue;
Esquivo e forço um ritmo aprazível
Que gera um sopro que me faz não estar entregue.

Sem mais contar, as sílabas vão se adaptando,
Um sentimento que mais uma vez me encanta
E sem querer as notas vou tocando:
O presto allegro que se agiganta.

Ao me despir da rima fica tudo mais leve,
Alegre sinto o fardo sendo abandonado.
O estrago que antes o meu coração sentia
Dá lugar a um garbo desleixado.

Abandono a regra de quaisquer regreiros
E bebo da fonte dos neologismos,
Ao passo que a dura mesóclise deixo,
Abraço os falares mais desinibidos.

Em versos brancos e livres
O ser apaixonado torna,
O ser apaixonado que antes sofrido,
Da chama sua velha alma transborda.

Me empolgo e abuso do olhar sensível
E crível a poesia que me volta,
Volta a fazer parte do meu querer lascivo.

Sem mais estrofe, rima ou rígida métrica,
Expresso livre a arte que deveras sinto,
O sopro belo que vibrante me mantém vivo.

Heitor Victor

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