Manifesto ao Excesso de Razão
Olá meus amigos! A cada dia que passa mais me encareço destes. Encareço-me de ouvir quem me reforce os ideais. Vejo um mundo mal logrado, onde as coisas estão todas às avessas, onde cada coisa está exatamente fora do seu devido lugar. Não que eu tenha a soberba de achar que sei onde é exatamente o lugar de cada coisa, mas tudo foge à minha razão: a mesma que antes eu gabava ser habilíssima. Mas não. Foge-me o talento, a modéstia, chego a ter a fraqueza de me considerar fraco. Sinto-me tão dono de mim, mas tão servo do mundo. Imagino que me basta a vontade para conseguir tudo: vontade, paciência e tempo. Mas não quero tê-los. Não posso me sentir feliz num mundo de infelicidades. No fim tenho de admitir que preciso dos outros, preciso também da felicidade dos outros.
Voltando a falar do mundo, sinto que quanto mais feliz me sinto, menos sentido me faz esta vida. Minha felicidade me traz tristeza. Sim, um paradoxo vazio como tantos outros que critico, mas este é facilmente explicável. A minha felicidade não me basta para que me satisfaça por esta - ínfima sei – existência. E quanto mais percebo o quanto é fácil estar bem, mais me dói notar um mundo pessimista. Um mundo de palavras vazias, vazias e tristes, deprimentes. No fim esta é a palavra para este mundo: deprimente.
Não passa um dia sem que eu tenha de ouvir uma frase de efeito, ensinando-me a ser feliz. Não há um dia sem uma mensagem de deus, uma palavra de ajuda. E isso mais me fere. Como posso eu pintar algo que de fato ajude a alguém, se existem tantos outros tentando inutilmente. Falta-me criatividade. Na verdade falta-me incoerência. Pois acho que de nada valem minhas palavras, a ninguém. Como dizer o que ainda não foi dito, ainda mais sabendo que o que já foi dito de nada vale? Acredito piamente que as pessoas não precisam mais de mensagens, mas sim de verdadeiros interlocutores. As pessoas precisam parar de achar que a ajuda vem de fora, precisam parar de acreditar que existe um mestre ou um deus, ou mesmo um grande escritor de bestsellers, quem vai vir e resolver todos os seus problemas com um verbo de sabedoria. Como disse, creio piamente que de soluções o mundo está cheio e por me manter nesta idéia, sinto-me incapaz de ajudar seja quem for. Mesmo que eu ainda seja incapaz de me calar de todo e somente responder o que será verdadeiramente compreendido, pois ainda não sou douto nesta virtude, almejo-a, mas não a tenho plena.
Sou então incapaz de retomar a ladainha já cristalizada na alma da sociedade. Liberdade, igualdade, fraternidade... Amor, amizade, paciência, compreensão... Por mais ornadas que estas palavras, ou melhor, estas coisas se apresentem, não fazem o menor sentido para mim. Há pelo menos quatro mil anos que isso se repete, tão vulgarmente reproduzidas, reordenadas, reinterpretadas que sempre estiveram muito bem justapostas às suas odiosas antônimas. Quero dizer com isso tudo que não precisamos de palavras. Essas eu posso criar: que me dizem de “aitarme”? Faz sentido nesta palavra? E se eu te dissesse que eu inventei e que quer dizer “divagar em pensamentos”. – que é o que faço agora! – Bem, em um quarto de linha a palavra já está totalmente desmistificada, explicitada, dissecada. E se o problema for o idioma, imaginemos amor: mantêm-se da mesma forma desde o latim há uns dois milênios, sendo falada e escrita ao longo de todo esse tempo. Mesmo que o meu exemplo singelo de aitarme seja pouco convincente, poderíamos supor que os milênio de “amor” são insuficientes?
Sei que entro agora em uma grande contradição. E sei acima de tudo que para ela não há argumento. Critico as palavras, senão por palavras! Mas este é um ato de desespero, então peço que me ignorem esse conflito de informação. Mesmo que pedindo isso eu entre em ainda outra contradição: a de não gostar de ser incoerente. Mas para essa eu tenho um bom argumento: como disse anteriormente sou feliz, mas me desespero com a minha vontade de ser coerente em minha conduta. Rogo-vos então que me deixem passar por esse momento de alívio, de ser enfim incoerente. No mais, creio que estas palavras estão tão confusas e efusivas que pouco farão sentido, mas vai que venham a se defrontar com um leitor, ou melhor, um não leitor que não queira mais ouvir passivas mensagens, mas que queiram abrir suas percepções, criar a sua realidade, a sua existência, mesmo que seja esta decadente. Seria um alívio se compreendessem o quão banal é ser feliz ou sentir prazer. O quão banal é amar. Ou mesmo, chorar ou sofrer.
No fim, me bastou escrever para retornar à minha tranqüilidade e satisfação comunal. Mas a todos, digo os que me fazem vez ou outra entrar num mar de lamentações, como as que comecei este escrito, é preciso que saibam ser felizes e tristes, satisfeitos e insatisfeitos, vencedores e derrotados. Pois tudo isso é algo que virá, queiramos ou não, e é por isso que são conceitos tão discutidos em todo esse tempo de história humana. Nada disso importa, muito pelo contrário, são meras diversões. O importante é olhar além, ver que a verdadeira existência não habita nem o ódio nem o amor, mas a percepção de que nada faz sentido, não neste mundo que conhecemos, não...
Heitor Victor
Bom texto.
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